segunda-feira, 21 de outubro de 2013

QUANDO ME ABANDONEI

No inicio foi quase imperceptível. Eu me dizia que era a rotina, a correria do dia a dia, o excesso de trabalho. Deixei de fazer uma coisa aqui outra ali por mim.Só pensava nas contas, nas tarefas diárias, nos outros. Havia dias em que o trabalho apenas me permitia chegar em casa e me jogar no sofá e assistir aquelas imagens intermináveis e hipnotizantes até acabar meu tempo. Noutros eu tinha tanta coisa para resolver em casa que não sobrava tempo mais para nada. Só cuidava de mim no básico, que era tomar um banho e ir deitar, mesmo que para dormir algumas poucas horas. Com o tempo notei que meu corpo estava mudando e algumas doenças apareciam. Uma coceira aqui, uma dor numa junta, uma dor de cabeça. Tudo ´para mim tinha uma explicação simples como a mudança do tempo, o abaixar rápido demais. Jamais pensei em fazer exercícios diários. Para que isto afinal? Perda de tempo sem sentido. Quando me dei conta estava todo travado. Se levantava, ficava tonto, se sentava quase não conseguia me levantar. Já não sabia nem o que fazer quando tinha tempo vago. Então me lamentava da vida. Achava que havia sido abandonado pelos outros e que a vida era assim mesmo conforme envelhecíamos. Ficávamos secos, quebradiços e inflexíveis como galho caído de arvore. Vieram dias piores. Foram aqueles em que senti que alem de abandonar meu corpo me dando a berber álcool nas horas vagas e fumando muito até explodir os pulmões, também abandonei meu espirito. Sim, o abandonei como a uma criança jogada na rua. Eu o deixei sem esperança de me ter de volta como cuidador. O abandonei por não ter conversado com ele nos meus silêncios, por não ter perguntado a ele o que queria e o que o fazia feliz. Foi um abandono tão enorme e tanto que nem eu mesmo admitia. Era como o preconceito contra a raça negra. Ninguém admite, mas que existe, existe. E é velado, escondido, mascarado. É mais que abandono, é desprezo e não admissão da existência. Um espirito que veio para falar, cantar, se socializar, ser feliz, mas no entanto, seu dono nem admitia sequer falar com ele. E fiquei com raiva do mundo e de todos porque me vi naquele estado de abandono. Pensei novamente que os outros me haviam abandonado. Deixei de cuidar do corpo, dando-lhe o minimo básico. Deixei de cuidar do espirito, não dando-lhe nem água, nem comida. O choro interno era terrível que causava piedade em quem me via. Perguntavam o porque de tanta tristeza, mágoa e dor. Mas eu nem tinha resposta senão culpar o mundo. Perdi a mim mesmo, perdi minha mãe interna.Perdi meu lugar seguro dentro de mim. Perdi minha casa e me sentia desabrigado, mesmo tento um teto físico sobre minha cabeça. Foi quando comecei a busca por recuperação física. Achava que médicos iriam me curar das doenças que apareciam aos montes e sem parar. Os médicos nada podiam fazer. Não sabiam o que eu tinha ou davam remédios químicos que me deterioravam o fígado ou o estômago ou qualquer outra parte do corpo. Então comecei ler e pesquisar. Onde e como me curar de minhas doenças. Cuidar melhor do corpo, me alimentar melhor. Fazer exercícios físicos, tudo isto ajudava, era o que os manuais diziam. Mas como brecar o fluxo das doenças, de onde elas vinham? Porque ocorriam? Parti então para a leitura de livros e mais livros até encontrar alguns que diziam que as doenças vem de dentro, vem do espirito. Espirito doente, mente doente, corpo doente. Sarar requeria de mim o encontro comigo mesmo e o amadurecimento de meu espírito. Comecei a perceber que o maior vazio era o vazio de mim. A solitude não é a solidão. A solidão é um sentimento, a solitude é um estado. Posso estar só, mas estar muito feliz com a minha própria companhia. Posso estar rodeado de gente e me sentido solitário entre os homens.Quando me dei conta que me havia abandonado e toda vez que eu sentia abandono, passei a meditar, a pensar no bem, a me conectar com o divino que existe em todo o ser humano, passei a crer que nunca mais vou ficar sozinho se não quiser. Estarei sempre comigo e tentarei fazer de mim uma companhia tão agradável que poderei até pensar em ser uma boa companhia a outros. Por estar bem e irradiando alegria serei atrativo para pessoas do bem que me vão cada vez mais querer ver e ter minha companhia.

2 comentários:

  1. Sei bem o que é isso pois passei pelas mesmas experiências que você. Há cerca de um ano é que venho recuperando a Roseli de outrora e a saúde pouco a pouco está se normalizando. Que bom que acordei a tempo! E que bom que você também acordou a tempo!

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  2. O texto tem boa parte de minha experiência, mas algumas coisas são o que sinto que está acontecendo com o ser humano em geral. As pessoas estão se esquecendo que o amor proprio é o inicio de tudo e sem ele não podemos amar aos outros. Dai ficamos amargos e culpando os outros, o tempo, as circunstências. Neste fim de semana passei algo assim. Me abandonei, não dei meu tempo a mim mesmo e depois fiquei melancólico e culpando minha amada por não me dar atenção. Mas como conheço este mecanismo, estou voltando a mim rapidinho e vou pedir desculpas a ela por te-la culpado por algo que é sentimento errado meu.

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